Infertilidade sobre o olhar da psicanálise: Explorando os Aspectos Inconscientes e Emocionais que Impactam a dificuldade de engravidar.
- Eduardo Oliveira
- 29 de jul. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 6 de jan.
A dificuldade de engravidar nas mulheres por questões psicológicas é um tema complexo que pode ser abordado a partir de várias perspectivas teóricas, especialmente dentro da psicanálise. A infertilidade inexplicável, ou seja, sem causas orgânicas claras, é um campo fértil para o estudo das influências psíquicas sobre o corpo. Para este texto vamos explorar diversos vieses na tentativa de tatear algo relevante.
Na psicanálise, algumas hipóteses foram propostas sobre a relação entre o desejo inconsciente e a maternidade. Sigmund Freud, por exemplo, discutiu a importância do desejo materno e da feminilidade, bem como os conflitos inconscientes que podem surgir em torno dessas questões. Os estudos psicanalíticos enfatizam que o desejo de ter filhos pode ser ambivalente. Algumas mulheres podem, deliberadamente, associar a gravidez a uma perda de autonomia, pede de uma posição de cuidado na relação amorosa, ou podem se preocuparem em reproduzir padrões familiares traumáticos. Estes poucos exemplos podem gerar conflitos internos, levando a sintomas somáticos, como dificuldade de conceber.
Livros e artigos relevantes:
"A Mulher e a Maternidade" (2000), de Melanie Klein, explora as ansiedades e os processos psíquicos relacionados ao desejo de ser mãe. A relação inicial com a figura materna pode influenciar profundamente a capacidade de uma mulher de engravidar e, mais importante, de lidar com o desejo de maternidade.
“A Infertilidade e o Inconsciente” (2005), de Didier Dumas, analisa casos em que a infertilidade feminina está ligada a questões inconscientes. Ele sugere que muitas mulheres que apresentam infertilidade inexplicada têm dificuldades emocionais e inconscientes que afetam o sistema reprodutivo.
Artigo: "Psicodinâmica da Infertilidade Feminina" (2010), publicado na Revista Brasileira de Psicanálise , aborda o impacto dos fatores psíquicos na infertilidade. O artigo discute como algumas mulheres podem desenvolver uma resistência inconsciente à gravidez, seja por medo de repetição de traumas ou por conflitos não resolvidos em relação à feminilidade e à identidade.
"O corpo e suas simbologias" (2013), de Joyce McDougall, aborda como o corpo pode ser palco de sintomas que simbolizam conflitos inconscientes. A infertilidade é discutida como uma possível manifestação somática de uma mente em sofrimento, na medida em que o desejo de engravidar e os medos inconscientes entram em conflito.
Perspectiva psicológica: Além da psicanálise, outras abordagens psicológicas também apontam para a influência de fatores emocionais e de estresse no ciclo reprodutivo. O eixo hipotálamo-hipófise-adrenal, por exemplo, pode ser afetado pelo estresse emocional, interferindo na ovulação e na implantação do embrião. A pressão para engravidar, combinada com expectativas sociais e familiares, o tempo de fertilidade finito, pode intensificar essa situação, criando um ciclo vicioso de ansiedade e falhas reprodutivas.
Aspectos Psicanalíticos: A Influência do Histórico Psicológico no Processo de Concepção
Infância e Relações Primárias: A infância é um período crucial no desenvolvimento psíquico e na formação da identidade de gênero. A relação com os pais, principalmente com a mãe, desempenha um papel fundamental na forma como a mulher se relaciona com seu próprio corpo e sua capacidade de gerar vida. Conforme Melanie Klein e Donald Winnicott apontam, a qualidade do vínculo estabelecido com a figura materna pode moldar a autopercepção da mulher, especialmente no que se refere à sua própria capacidade de ser mãe. Mulheres que crescem em ambientes de conflito, excluídas ou de controle excessivo podem desenvolver um temor inconsciente de repetir esses padrões ao se tornarem mães, criando barreiras emocionais à concepção.
Traumas e Perdas na Vida Adulta: Traumas emocionais, como perdas de entes queridos ou experiências de violência sexual, podem deixar marcas profundas na psique de uma mulher. Segundo a psicanálise, traumas não modificados podem ser deslocados para o corpo, gerando sintomas somáticos. A dificuldade em conceber pode, portanto, ser uma manifestação psicossomática dessas emoções não resolvidas. Joyce McDougall, uma importante teórica no campo da psicossomática, argumenta que o corpo pode se tornar um "teatro de sintomas" quando o psiquismo é incapaz de processar certos conteúdos emocionais.
Ansiedade e Pressão Social: As expectativas sociais em torno da maternidade também podem gerar grande ansiedade, especialmente em mulheres que enfrentam dificuldades para engravidar. A pressão para “cumprir” o papel de mãe pode ser vivenciada de forma opressiva, especialmente em culturas onde a feminilidade está intrinsecamente ligada à capacidade de procriar. Essa pressão pode exacerbar a ansiedade, criando um ciclo de frustração e estresse que afeta o equilíbrio hormonal e o funcionamento do sistema reprodutivo. Esse aspecto é muitas vezes discutido na literatura psicológica como um "ciclo vicioso" de infertilidade, onde o estresse da tentativa de concepção interfere nos próprios mecanismos biológicos de fertilidade.
Outras perspectivas: Conflitos inconscientes
Conflito com a identidade feminina: Em muitas abordagens psicanalíticas, a fertilidade é vista como profundamente ligada à feminilidade. Mulheres que, por alguma razão inconsciente, têm dificuldades em aceitar ou internalizar sua identidade feminina podem desenvolver resistências psíquicas que se manifestam fisicamente. Por exemplo, mulheres que cresceram com mães controladoras ou que tiveram experiências traumáticas em sua infância podem, deliberadamente, associar a maternidade à perda de controle ou à reprodução de dinâmicas familiares disfuncionais.
Culpa inconsciente e desejo ambivalente: O desejo de ter um filho pode ser acompanhado de culpa ou medos inconscientes, especialmente em mulheres que sofreram perdas ou traumas, como abortos espontâneos anteriores ou relações familiares complicadas. Essas experiências podem levar a uma resistência ao processo de concepção. Freud discutiu a culpa inconsciente como um bloqueio emocional que pode resultar em sintomas somáticos, e essa ideia foi expandida por teóricos posteriores para incluir questões de fertilidade.
A relação entre a mãe e a filha: Alguns psicanalistas, como Melanie Klein, exploram a ideia de que a relação inicial da mulher com a sua própria mãe. Esta experiência, pode influenciar sua capacidade de conceber. Se essa relação é marcada por rivalidade, controle excessivo ou experiências traumáticas, a mulher pode carregar ansiedades inconscientes sobre repetir esse padrão com seus próprios filhos.
Uma Perspectiva Psicossomática da Infertilidade
A psicossomática é uma área de psicanálise que explora como o corpo pode expressar conflitos psíquicos. Uma das posições centrais é que, quando o psiquismo é incapaz de dar conta de certas angústias, essas angústias podem ser deslocadas para o corpo. No caso de infertilidade, conflitos relacionados ao desejo de maternidade, ao medo de perder a ou à reprodução de traumas podem ser "descarregados" no sistema reprodutivo.
Didier Anzieu e o "Eu-Pele": Anzieu, um psicanalista importante no campo da psicossomática, desenvolveu o conceito de "Eu-Pele", que se refere à maneira como o corpo se torna uma espécie de contorno psíquico, expressando conflitos internos. Ele argumenta que, em mulheres com dificuldades de engravidar, o corpo pode estar simbolizando barreiras psíquicas ao desejo de maternidade, transformando o processo biológico de concepção em uma "impossibilidade" psicológica.
A Síndrome Psicossomática: A infertilidade pode ser considerada uma síndrome psicossomática quando não há uma explicação médica clara para uma falha na concepção. Em seu livro Teatros do Corpo (1989), Joyce McDougall explora casos em que o corpo se torna palco de sintomas, como a infertilidade, resultantes de traumas emocionais. A autora sugere que, nesses casos, o tratamento psicanalítico ou psicoterápico pode ajudar a desbloquear esses conflitos, permitindo uma expressão mais saudável do desejo de maternidade.
Perspectivas Psicológicas:
Estresse e Infertilidade: Fora da psicanálise, há uma vasta literatura que relaciona o estresse emocional à infertilidade. Estudos sugerem que níveis elevados de estresse, ansiedade e depressão podem afetar diretamente o ciclo reprodutivo, especialmente a ovulação e a capacidade de implantação do embrião. A constante pressão social para os filhos, aliada à frustração gerada pelas fracassadas, pode criar um ciclo de estresse que agrava o problema.
Alguns estudos identificaram que mulheres que participam de programas de apoio psicológico durante tratamentos de fertilidade (como a fertilização in vitro) apresentam maiores taxas de sucesso em conceber. Isso sugere que o manejo do estresse e a resolução de conflitos emocionais podem ter um papel relevante no processo reprodutivo.
Teoria do Apego e Infertilidade: A teoria do apego também oferece uma perspectiva valiosa. Mulheres que desenvolvem um estilo de apego inseguro (sejam evitantes ou ansiosos) com seus próprios cuidadores na infância podem apresentar dificuldades emocionais significativas na hora de enfrentar a maternidade. Essas dificuldades se manifestam como barreiras psíquicas ao processo de concepção, especialmente se uma mulher está deliberadamente associada à maternidade com a geração de uma relação disfuncional com seus cuidadores.
Estudos e Evidências:
Estudo "Fatores Psicossociais e Infertilidade" (2016) : Publicado no Journal of Psychosomatic Obstetrics & Gynecology , este estudo revisa evidências sobre o impacto dos fatores psicossociais na infertilidade. Conclui-se que mulheres com maiores níveis de estresse psicológico têm taxas significativamente mais baixas de sucesso na fertilização assistida. Além disso, sugere que intervenções psicológicas podem melhorar os resultados reprodutivos.
Artigo "Infertility and Emotional Stress: A Comprehensive Review" (2017) : Este artigo, publicado na Reproductive Biomedicine Online , discute como o estresse psicológico pode influenciar a infertilidade. Ele argumenta que mulheres que experimentam altos níveis de estresse têm maior probabilidade de sofrer disfunções reprodutivas. A revisão sugere que os tratamentos psicológicos específicos para o manejo do estresse podem ser eficazes em aumentar as chances de gravidez.
"O Impacto do Estresse Psicológico na Fertilidade Feminina" (2018) : Este estudo, publicado na Fertilidade e Esterilidade , explora a ligação entre o estresse psicológico e a infertilidade. Ele demonstra que o estresse pode interferir diretamente no funcionamento do eixo hipotalâmico-hipofisário-ovariano, afetando a ovulação e outros processos críticos de reprodução.
Ainda para pensarmos
A dificuldade de engravidar pode ter múltiplas origens psicológicas, desde conflitos inconscientes relacionados à feminilidade e maternidade até o estresse emocional e questões de apego. Tanto a psicanálise quanto outras abordagens psicológicas sugerem que os fatores emocionais e inconscientes podem desempenhar um papel significativo na infertilidade, especialmente nos casos em que não há causas físicas identificáveis. Os estudos também indicam que o tratamento psicológico pode ser um aliado importante no tratamento de mulheres que enfrentam dificuldades para conceber.
Dando continuidade à análise sobre a relação entre dificuldades de engravidar e questões psicológicas, vou aprofundar a influência de fatores psíquicos em diferentes fases da vida da mulher e como eles podem impactar sua capacidade de conceber, além de discutir outras abordagens teóricas que complementam a visão psicanalítica.
A infertilidade de origem psicológica é um tema que precisa ser abordado de forma integrada, levando em consideração não apenas os aspectos físicos, mas também os emocionais e inconscientes que podem estar no jogo. O trabalho terapêutico pode ser uma ferramenta importante para desbloquear esses conflitos internos, permitindo que a mulher explore e entenda suas ansiedades, medos e desejos relacionados à maternidade.
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